Compliance Público

Os direitos e garantias fundamentais são normas consagradas pela Constituição de 1988 para efetivar e promover a dignidade da pessoa humana. Há diversos tópicos que detalham o conteúdo dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, além de outros também decorrentes dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil.

Há, portanto, uma enorme gama de ações que devem ser executadas pelo poder público em todas as suas estruturas para que os direitos e garantias fundamentais saiam do papel e se tornem realidade.

Não é bem assim que a coisa funciona: a ineficiência do setor público brasileiro para atender às demandas previstas, não só na Constituição, mas nas diversas leis vigentes, é algo que vem de longa data. O abismo entre o que o Estado anuncia que fará e o que faz é enorme.

Artigo publicado na Revista dos Tribunais n.1002, sob o título “A gestão do Compliance como tecnologia promissora para concretização do princípio da eficiência no setor público brasileiro”, de Flávia Botti e Marta Resende, é leitura obrigatória, especialmente para quem se envolve com a política, ainda que ocupando um carguinho de passagem aqui, outro ali.

Somente nessa semana os episódios das mazelas da saúde pública para exames do coronavírus e a fuga em massa do sistema prisional reforçam a tal ineficiência no atendimento aos direitos fundamentais à saúde e à segurança, por exemplo. A precariedade da prestação de serviços públicos é absurda, fragilidade que incomoda não só a população, mas sobretudo os que compõem a máquina estatal.

Já se disse nesta coluna que as leis e as exigências do mercado quanto à implantação e efetividade de programas de Compliance no setor privado têm incutido nova visão empresarial: otimização da eficiência somada à eficácia dentro de parâmetros éticos para se atingir objetivos legítimos. Não há outro caminho. Quem não instituir programas de integridade e transitar pela ética efetiva (e não teórica ou de simples códigos ou manuais) perderá credibilidade organizacional e estará fora do mercado em pouco tempo.

Para o poder público a coisa é bem mais complexa.

O repto está, portanto, em como fazer com o que poder público transforme o emaranhado de normas garantistas (constitucionais e infraconstitucionais em prol da dignidade humana) em realidade fática; leia-se tornar a administração pública mais eficiente, por meio de técnicas, procedimentos, métodos e ferramentas de gestão sistêmica e de capital humano.

A resposta é o Compliance Público, amparado, inclusive, por Decreto de 2017, com destaque para métodos de governança pública como conceito de mecanismos de liderança, estratégia e controle usados para monitorar, avaliar e direcionar a prestação dos serviços de interesse da sociedade como um todo.

As autoras do belo artigo provocam reflexão ao tocarem na ferida: o perfil dos líderes e administradores públicos concentra-se em pessoas sem aptidão para gerenciar ou participar das atividades que lhe são impostas. Mais influência política garante o cargo, ao invés do talento e vocação para o desempenho específico. Gente ligada politicamente ao gestor, sem preparo algum ou conhecimento (quando não desleal no trato da coisa pública) no segmento que irá coordenar, levando a um verdadeiro desastre a gestão que lhe é confiada: alto custo e ineficiência suportados pelo contribuinte.

Some-se as isso os funcionários públicos concursados que só ingressaram por interesses econômicos (estabilidade financeira) ou pelo conforto de algumas regalias inerentes apenas ao funcionalismo.

Fácil notar que o problema está na liderança e estabilidade do setor público. Só haverá efetiva gestão pública quando os cargos forem ocupados por pessoas preparadas, éticas, permeadas de valores morais e princípios norteadores de condutas que levem ao equilíbrio e bom funcionamento da estrutura governamental.

O Compliance Público, portanto, busca preparar gestores que cumpram a Constituição, pautando-se pela confiança, integridade, honestidade com o que diz e faz. Que cumpra promessas sendo leal e franco com os limites da lei e do cargo, preocupando-se com o interesse coletivo e dos quadros de funcionários sob sua batuta, tomando decisões que não prejudiquem ou afetem negativamente pessoas e instituições, policiando-se para não ser injusto e cooperando com as questões sociais e ambientais, dentre outros comportamentos.

Sendo ético o gestor público, o propósito passa a ser a tomada de decisões eticamente, (iniciando ou) incrementando o programa de Compliance Público: estar em conformidade com o Texto Constitucional, com as normas externas e internas, leis, regulamentações e políticas coletivas, assegurando que valores e padrões de conduta ética sejam observados por todos, como assim deve ocorrer também com a iniciativa privada.

QR Code e as novas tendências

A utilização do QR Code vem crescendo. QR Code, ou Quick Response, é um código de barras que pode ser facilmente escaneado usando celulares com câmera. Esse código é convertido e permite diversas leituras e aplicações nas mais variadas áreas públicas e privadas.

Concorrendo com as tradicionais maquinhas de cartões de crédito e débito, as empresas tentam incutir no consumidor as vantagens do uso do sistema de leitura QR feita pelo smartphone, ao mesmo tempo em que preparam os atendentes para sugerirem o uso como via alternativa aos cartões convencionais.

Na prática o sistema facilita e agiliza o pagamento. Se na balada, por exemplo, a conta tiver que ser rateada entre vários amigos, no modo convencional o garçom terá que fazer a conta da divisão, passar cada cartão individualmente, indagar se é crédito ou débito e finalizar a operação. Ao passo que, com o QR Code, um único código é impresso na conta e cada consumidor, com o seu próprio celular, escaneia e paga a sua parte ao mesmo tempo, com a conta sendo liquidada integralmente em segundos.

Cupons de desconto são ofertados a quem já vem aderindo à utilização do QR Code. Será bem comum que o atendente agora oferte três opções (e não duas): crédito, débito ou QR Code.

Ainda não há boa adesão ao sistema, é fato: tentativas para usuários usufruírem de alguns produtos a partir do acesso via QR Code não emplacaram. Cidades turísticas tentaram inserir no sistema informações como locais de visitação, histórico de obras de arte e museus, mas também não atraíram significativamente o interesse do usuário. É uma transição disruptiva importante e, com o tempo e o pleno conhecimento das vantagens, será a tendência em curto prazo.

Fica a dica: quando o garçom, atendente ou vendedor ofertar a opção do QR Code, dê um “joinha” para ele: será prático e rápido.

Falando em “joinha”, o governo Bolsonaro acaba de lançar um aplicativo (chamado Divida Aberta) para que os cidadãos possam consultar, pelo celular, as dívidas de empresas e pessoas físicas com a União. Fotografa-se a nota fiscal com o QR Code e pronto: já se terá no smartphone informações se a empresa está em dia com suas contribuições, FGTS dos funcionários e até localizar os devedores por meio do GPS. Será conhecida a empresa com débito em dívida ativa da União e que não tomou providências para liquidar suas pendências fiscais federais.

Caso o estabelecimento esteja regularmente em dia com seus tributos federais, aparecerá um “joinha” na tela. Caso contrário, as dívidas serão escancaradas no smartphone.

O que busca o governo é a implementação do espírito da chamada “cidadania fiscal”, ou seja, o brasileiro se conscientizará de que, quem deve à União, está devendo à sociedade, com o que o consumidor deixará de comprar de quem não está “joinha” com o fisco federal e, ainda, poderá dar pistas à Procuradoria da União sobre empresas de fachada, ou seja, o cidadão passa a ter um papel de fiscal por via oblíqua.

A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional ainda quer fazer convênios com Estados e Municípios, ou seja, ao identificar na nota fiscal que o estabelecimento deve à União, Estado ou Município (ou para todos eles ao mesmo tempo), a consciência do cidadão deverá afastá-lo de novos negócios, valorizando, por outro lado, aquele que for pontual com suas obrigações tributárias, merecendo, daí então, um “joinha” cidadão!

William Nagib Filho – Advogado, é Conselheiro Estadual da OAB/SP

Sustentabilidade e saúde

O setor da saúde encontra-se sob pressão para adotar novas tecnologias e tornar-se mais sustentável e eficiente. O mundo digital e as tecnologias disruptivas que mudam fortemente as regras do jogo são o norte daqui para frente, na busca de um modelo inovador de atendimento em linha, especialmente, com as expectativas do paciente consumidor.

Hospitais, operadoras, clínicas, médicos e governos deverão valer-se de soluções como a internet das coisas, telemedicina, computação em nuvem, análise de dados e inteligência artificial para ampliar a eficiência nos cuidados ao paciente e o acesso aos serviços. Usar o celular para contratar serviços, fazer exames, reportar reações diretamente ao hospital pós alta médica, evitar que beneficiários façam procedimentos ou exames desnecessários reduzindo a ineficiência do sistema, dentre inúmeras outras situações, são ações que servirão de instrumentos para a sustentabilidade do sistema de saúde do país.

Ocorre que (só com o que já se tem em termos de evolução tecnológica) a judicialização da saúde cria forte carga de demandas país afora, onerando todos os segmentos de alguma forma atrelados à saúde pública e suplementar. Boa parte dos problemas levados ao Judiciário poderia ter outra – precedente –solução.

Informações de Limeira, por exemplo, trazidas recentemente em programa de TV pelo chefe da pasta da saúde, dão conta de que, antes de qualquer tomada de decisão pela magistrada que oficia na Vara da Fazenda Pública de lá, um grupo multiprofissional cuida de tentar resolver a demanda do paciente, evitando que ordens e decisões judicias imponham obrigações pecuniárias não previstas no orçamento do município. O Secretário de Saúde, Vitor Santos, garante que a economia com a diminuição de ações judiciais é muito significativa. Ganha o paciente, que tem contemplada sua necessidade de tratamento; ganha o contribuinte, pois vê os recursos irem para os setores pré determinados no contexto do orçamento público, sem transferências repentinas à saúde.

Há um projeto-piloto, implantado em setembro de 2018 em algumas varas do Fórum João Mendes da Capital, que vem sendo gradativamente estendido para outras varas e fóruns, denominado Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário da Justiça Paulista, que fornece aos magistrados notas, pareceres e respostas técnicas com fundamentos científicos que auxiliam na decisão de ações, como pedidos de procedimento médico ou fornecimento de remédios.

Os documentos são emitidos por especialistas que atuam nas instituições conveniadas e profissionais de saúde do próprio Tribunal.

Na verdade, esses núcleos são projeto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que prevê a criação dos Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário vinculados aos tribunais para subsidiar os magistrados em ações judiciais na área de saúde.

Assim (a exemplo do que vem ocorrendo em Limeira e seu modelo caseiro assemelhado à proposição mais ampla do CNJ), ao receber uma ação que envolva questões de saúde, o juiz encaminha solicitação por e-mail ao NAT-Jus para uma análise técnica, juntamente com a petição inicial, o formulário para informação técnica preenchido pelo assessor do magistrado ou pela parte (advogado ou médico), relatório clínico atualizado, prescrição de procedimento, receita e exames médicos.

Avaliam-se os documentos e a especialidade e se envia solicitação para o Núcleo de Avaliação de Tecnologia em Saúde de uma das instituições conveniadas ou para a própria equipe técnica do TJ para elaboração de: resposta técnica em 72 horas, nota técnica no prazo de sete dias úteis e parecer em 90 dias, tudo a depender da complexidade da questão, enviando-se ao magistrado do caso para decidir com maior amplitude e segurança.

Apenas para registro, tentou-se algo parecido por aqui num passado recente, por iniciativa da OAB local, mas a proposição não ecoou nos demais segmentos a serem necessariamente envolvidos.

São ideias que evitam sangrar o orçamento público e descapitalizar os cofres das operadoras, até porque, a inviabilidade financeira dos planos e a incapacidade de pagamento de mensalidades pelo cidadão consequentemente sobrecarregam o sistema de saúde pública, o que faz ressaltar a importância de novas e boas ideias para que as estruturas como um todo tenham efetiva sustentabilidade.

William Nagib Filho – Advogado especialista em Direito Médico.

Compliance: necessário!

Matéria do “Valor Econômico” informa: metade dos profissionais submetidos a um teste de integridade demonstra tendência a sucumbir a desvios ou a não denunciar colegas que desviam bens da empresa; manipulariam ou aceitariam que colegas manipulassem relatórios de despesas pagas pela companhia com o intuito de ganhar valores. E mais, 2/3 dos entrevistados demonstraram ter tendência a realizar pagamentos indevidos para beneficiar fornecedores, e somente 29% percebem realmente que pagamento indevido a terceiro é fraude.

Os entrevistados responderam: “Você aceitaria suborno? Se você recebesse presente de um fornecedor na sua casa como você se sentiria? Feliz ou irritado? O que te impediria de aceitar suborno?”

Num momento sócio-político-legal em que diversas leis e normatizações setoriais impõem condicionantes de boas práticas de governança – Lei anticorrupção, Decreto acerca das Empresas e Direitos Humanos e Lei Geral de Proteção de Dados, por exemplo-, esses índices elevados de tendência a aceitar desvios éticos demonstram que os programas de Compliance merecem mais atenção, não importa o tamanho e segmento.

Muitos empresários afirmam agir dentro dos parâmetros éticos necessários, achando estar efetivamente com suas gestões em conformidade com a mais adequada governança corporativa. Questionados se necessitam de auxílio para implantar ou aprimorar seus programas de Compliance, sustentam que não. Ledo engano!

Desvios éticos do cotidiano, como os identificados na tal pesquisa, além de, por exemplo, não dar nota fiscal, não declarar impostos, tentar subornar autoridades, encobrir episódios de assédio, falsificar rubricas e assinaturas, forjar exigências ambientais e deturpar relações laborais, dentre outras, configuram ausência ética e se vê aos montes!

As leis e as exigências do mercado quanto à implantação e efetividade de programas de Compliance têm incutido nova visão empresarial: eficiência somada à eficácia dentro de parâmetros éticos para se atingir objetivos legítimos é a tônica.

Mas há muito a se avançar: a pesquisa assusta!

Só haverá empresas éticas quando houver gestão a cargo de pessoas éticas, permeadas de valores morais e princípios norteadores de condutas que levem ao equilíbrio e bom funcionamento social.

Pautar-se pela confiança, integridade, honestidade com o que se diz e faz; cumprir promessas, ser leal, preocupar-se com o interesse de funcionários, clientes, fornecedores; tratar com respeito sem discriminar, dar autonomia e respeito à privacidade, expressar positivamente o caráter, ter responsabilidade, tomar decisões que não prejudicam ou afetam negativamente pessoas, policiar-se para não ser injusto, preocupar-se com as pessoas nos relacionamento social e profissional, ser cidadão obediente às leis, cooperar com questões sociais e ambientes, dentre outros comportamentos, atestam o perfil louvável do empresário, gestor e colaborador.

Sendo ético, o propósito passa a ser a tomada de decisões eticamente, (iniciando ou) incrementando um programa de Compliance: estar em conformidade com normas externas e internas, leis, regulamentações, políticas corporativas, via procedimentos visando detectar, prevenir e combater fraudes e infrações às leis e regulamentos, assegurando que valores e padrões de conduta ética sejam observados por todos.

Orientar, prevenir, analisar riscos, elaborar e revisar políticas e procedimentos, insistir em treinamentos, comunicação interna, orientações, respostas a consultas, ativar canal de denúncias, remediar quando preciso for. Os benefícios de agir eticamente reforça o compromisso da empresa com a ética e integridade empresarial, faz valer valores e princípios, protege a reputação e diminui riscos de atos ilegais.

O Brasileiro não pode furtar-se à adequação de suas posturas à boa ética empresarial. Da minúscula até a mais complexa corporação, os programas de integridade são ferramentas essenciais à sobrevivência num mercado em que o máximo enquadramento aos preceitos éticos passa a ser das melhores ferramentas de prosperidade negocial.

“Ética não é uma escolha. É a única forma de se viver sem o caos”. (Ministra Cármen Lúcia-STF).

Lei Geral de Proteção de Dados: está chegando!

Agosto de 2020 será marcante, especialmente para o mercado consumidor, pois entrará em vigor para valer a Lei Geral de Proteção de Dados LGPD, que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, com o objetivo de proteger direitos fundamentais de liberdade, privacidade, intimidade, dignidade da pessoa humana, não discriminação e inviolabilidade do sigilo de dados, assegurando, por consequência, o livre desenvolvimento da personalidade.

Tratamento de dados é toda operação realizada com dados pessoais, como coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle de informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração.

O tratamento deverá observar, segundo a lei, a boa-fé, a finalidade, adequação, necessidade, livre acesso, qualidade dos dados, transparência, segurança, prevenção, não discriminação, responsabilização e prestação de contas.

Destacam-se os chamados dados pessoais sensíveis, ou seja, sobre origem racial ou ética, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico.

O fato é que o tratamento somente poderá ser realizado mediante o fornecimento de consentimento pelo titular. Ou, ainda, para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória, pela administração pública, para a realização de estudos por órgão de pesquisa, para o exercício regular de direitos em processos, para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro, para a tutela da saúde e para a proteção do crédito.

A importância da nova lei está intimamente atrelada às novas tecnologias da informação que repercutem sobre o direito do consumidor: segmentam consumidores, servem à precisão na análise dos riscos (proteção ao crédito), formam bancos de dados mais exatos e eficientes e identificam tendências e padrões de consumo com base na universalidade dos dados e interação em redes sociais.

Fácil perceber, portanto, como o acesso e tratamento de dados pessoais da população reverberará economicamente e em todas as relações sociais e políticas, pois a origem de informações e dados provém do histórico de transações, frequência e valores envolvidos, estilo de vida e preferências pessoais, interesses e hábitos, análise de comportamentos, itinerário de navegação na internet, manifestações e reações em redes sociais e outros espaços virtuais de interação.

E já que os dados pessoais são a extensão da personalidade humana, é de fundamental relevância destacar na nova lei o respeito à chamada autodeterminação informativa: o indivíduo titular de dados pessoais deve ser o protagonista das matérias relacionadas ao tratamento de seus dados pessoais, surgindo o direito de opor-se a operações de tratamento de seus dados pessoais realizadas sem consentimento e que também não encontram respaldo em nenhuma outra modalidade de base legal.

Trocando em miúdos: é o direito de impedir ou requerer a interrupção de operações ilícitas de seus dados pessoais, dentro de um nível de controle que o indivíduo pode ter sobre as operações realizadas com a sua autorização, e com o nível de transparência e segurança daquelas realizadas sem a sua autorização, mas com base noutros dispositivos autorizadores previstos na própria Lei Geral de Proteção de Dados e outras leis que envolvam a mesma temática.

O tempo é curto: para se enquadrar às exigências dessa lei todas as empresas deverão investir na implementação de estrutura interna visando ao tratamento de dados de seus clientes. A elaboração de políticas, metas e planos de gerenciamento de proteção de dados, planos de emergência para gestão de crises envolvendo segurança e privacidade, trará bastante trabalho para advogados e profissionais ligados à equipe de Tecnologia da Informação que irão atuar no ambiente da LGPD.

O uso desautorizado ou o não respeito ao poder/direito de o indivíduo determinar e controlar a utilização de seus dados no atual ambiente em que softwares de cruzamento mapeiam perfis individuais, fomentará discussões judiciais incríveis. Mais um mercado para a Advocacia, sem dúvida.

Dentro da perspectiva de implementação de políticas de conformidade e integridade que não mais pode faltar em qualquer empresa, o compliance digital, especialmente para os fins da LGPD, é a bola da vez.

Fonte da Foto: Pixabay

Airbnb, restrições ao direito de propriedade e potenciais problemas

O Airbnb permite aos indivíduos alugar o todo ou parte de sua própria casa, como uma forma de acomodação extra. O site fornece uma plataforma de busca e reservas entre a pessoa que oferece a acomodação e o turista que busca pela locação. Abrange anúncios em milhares de cidades e centenas de países. Depois de se cadastrar e fazer a pesquisa onde se insere a cidade, data da viagem e número de hóspedes, o interessado entrará em contato com o anfitrião e tirará todas as dúvidas para ajustar preço e forma de pagamento. 

O problema é que proprietários de imóveis em condomínios residenciais (leia-se aqui condomínios para moradia e não aqueles compostos por chácaras ou unidades para locação variada, com diversificada finalidade de uso) enxergaram uma forma de ganhar dinheiro e lançaram suas unidades no cadastro do Airbnb, criando toda ordem de problemas para síndicos, porteiros, administradoras de condomínios e, obviamente, para os demais condôminos, que passarão a conviver com estranhos a cada dia (ou noite). Não se trata de locação para temporada e sim verdadeiramente serviço de hotelaria, com check-in e check-out, estrutura mobiliada, equipamentos de lazer e por aí vai.

A Constituição Federal garante o direito de propriedade para usar, gozar e extrair da coisa todos os benefícios ou vantagens que ela propiciar. Contudo, a propriedade não é um direito absoluto, devendo ser utilizada de forma racional e consciente, tanto no que diz respeito à sua função social, quanto à coexistência pacífica com terceiros no entorno. Por óbvio que toda e qualquer restrição ao seu uso deve pautar-se no interesse e resguardo da ordem social. Logo, as limitações são imprescindíveis ao bem-estar coletivo, dentro de perspectivas de coexistência harmônica e pacífica de direitos garantidos: do proprietário, de um lado, e dos demais cidadãos, de outro.

As regras do direito de vizinhança do Código Civil e as diretrizes previstas em convenções e regimentos internos de condomínios (eminentemente residenciais) trazem contornos bem limitativos do direito de propriedade individual, com o escopo de conciliar interesses de proprietários vizinhos, reduzindo os poderes inerentes ao domínio, de modo a regular a convivência social.

Se cada condômino pode usar, gozar e dispor livremente de sua unidade estritamente residencial sem prejudicar os demais, e se o acesso livre ao condomínio só é liberado para o condômino, inquilinos, familiares destes ou convidados autorizados, é óbvio que o sistema do Airbnb não se coaduna com o modelo tradicional de condomínio residencial, porque se trata de atividade comercial, substitutiva ou alternativa à hotelaria convencional ou “motelaria”.

Fácil encontrar entre os adeptos do Airbnb pessoas que procurarão casas em condomínios de bom padrão bem localizados (com piscina privativa, áreas de lazer, boa mobília, dentre outros atrativos), com intenções pouco “religiosas”, criando toda ordem de problemas aos demais condôminos, porteiros e administradores, impondo riscos os mais variados sob o aspecto de segurança de moradores, funcionários, visitantes, além de previsível exceço de barulho dependendo das reais finalidades de utilização, quando se distanciar da simples estadia para lazer e descanso.

Sem o mínimo controle, diante da alta rotatividade que essa nova opção impõe, é bom que os síndicos e administradoras, além dos próprios condôminos, protejam-se, blindem-se e se organizem para evitar a mercantilização no uso de imóveis puramente residenciais, escolhidos para se ter segurança, paz, tranquilidade a ausência de contratempos e preocupações com estranhos sabe-se lá com que intenções.

Bom lembrar que contra o condômino antissocial (proprietário ou inquilino) o síndico dispõe de mecanismos punitivos. Contra potenciais maus usuários do Airbnb não terá ferramentas de atuação, ficando todos os demais condôminos à própria sorte.

A propósito, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (processo n° 1001165-97.2017.8.26.0510) já decidiu que, levando-se em consideração que a locação pela plataforma do Airbnb possui, sim, contornos de hotelaria e hospedaria, contrariando a destinação estritamente para fins residenciais, é ilegítimo e irregular o comportamento do condômino que tentar inserir a sua unidade nesse tipo de negócio para ganhar dinheiro.