Inábeis, não ímprobos!
Essa atmosfera que caracteriza o pleito eleitoral provoca incontáveis reflexões na população. Algumas sérias, outras gozações nas redes sociais que servem, ao menos, para deixar o clima menos tenso. Um “meme” recente sugestiona que, no Japão, o corrupto se mata, na China é morto, na Itália é preso e, no Brasil, concorre às eleições.
Essa falsa premissa de que todo político (ou mesmo candidato) é corrupto, longe de ser uma verdade absoluta, traz o ranço de como o eleitor enxerga os candidatos, de primeira viagem ou velhos caciques.
Isso acaba afastando bons nomes ligados à iniciativa privada, a associações, conselhos, sindicatos, que até gostariam de servir nas casas legislativas ou no executivo das várias esferas, mas temem ser colocados na vala comum.
E para piorar esse quadro refratário, são incontáveis os casos de pessoas de passado honrado que, ao enveredarem pela política, sofreram processos judiciais resultantes em condenações que levam ao perdimento de patrimônio amealhado licitamente antes do envolvimento com a política, além de outras consequências gravíssimas para o histórico pessoal e familiar.
Isso decorre da lei que dispõe sobre Improbidade Administrativa, de 1992, uma lei influenciada pelos escândalos do então governo Collor, cuja finalidade é punir os gestores ímprobos e seus malfeitos, mas (porque feita a toque de caixa sem maiores critérios técnicos) não separa o joio do trigo.
Na verdade, a lei tinha na essência a finalidade de punir os desonestos e não o gestor que eventualmente cometesse um erro no administrar de suas funções públicas. A margem ampla de interpretação do que seja improbidade administrativa, até porque a lei é vaga, tem levada a duas resultantes: a) decisões judiciais absolutamente injustas para aqueles gestores públicos honestos que tentam governar da melhor forma, mas erram culposamente; b) o fenômeno do apagão das canetas, ou seja, o gestor, com medo de ser processado e enquadrado de forma indevida na Lei de Improbidade, simplesmente deixa de tomar decisões importantes e acaba administrado as encrencas da coisa pública por força de ordens judiciais que obriga a fazer isso ou aquilo.
Mas há uma boa notícia. Projeto de lei na Câmara Federal para ser votado em prevê tem por finalidade alterar a Lei de Improbidade, excluindo do rol dos atos passíveis de punição aqueles que resultarem de interpretação razoável da legislação ou dos contratos administrativos firmados pelo poder público. A proposta também visa acabar com a possibilidade de enquadrar o gestor na forma culposa de improbidade, vale dizer, naqueles casos em que o agente praticou determinada conduta sem intenção, por inexperiência ou má assessoria técnica, como resultado de imperícia, imprudência ou negligência.
Enquanto se aguarda com grande expectativa essa mudança legislativa, os advogados que atuam na defesa de gestores públicos processados por suposta improbidade administrativa têm buscado demonstrar que são condutas ímprobas são aquelas permeadas de má-fé, desencadeadas pela maldade, em oposição à boa-fé, representativas de dolo, da fraude e da corrupção. A má-fé, aliás, não pode ser presumida.
Não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade.
Há boas decisões judiciais que exigem como condição para a condenação do gesto a prévia demonstração de que houve vontade consciente de praticar ilícito com gravame ao bem público, rejeitando a punição, como improbidade, da atuação do administrado inábil ou falho.
Mudando a lei, quem sabe tanta gente boa que queremos ver ocupando os destinos da nossa política pensem duas vezes e acabem aceitando doar-se pela coisa pública, concorrendo pelo legítimo voto popular, oxigenando as cadeiras há bom tempo imutáveis.
A LGPD e o vaivém!
A Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD está valendo? Como ficou a Medida Provisória que previa a entrada para maio de 2021?
O Senado suprimiu da Medida Provisória 959 a prorrogação da LGPS. Assim que o presidente sancionar estará valendo a LGPD em sua totalidade (ficarão para depois apenas a aplicação de multas, a partir de 1° de agosto de 2021, que podem chegar a 50 milhões de reais).
Também não está devidamente estruturada a chamada Autoridade Nacional de Proteção de Dados, ligada à Presidência da República, que é quem deverá, entre outras coisas, elaborar diretrizes para a Política Nacional de Proteção de Dados e da Privacidade, fiscalizar e aplicar sanções em caso de tratamento de dados realizado em descumprimento à legislação, promover na população o conhecimento das normas e das políticas públicas sobre proteção de dados pessoais e, principalmente, editar os regulamentos e procedimentos sobre proteção de dados pessoais e privacidade.
Nesse cenário de carências das diretrizes, enquanto a Autoridade Nacional de Proteção de Dados não estiver funcionando e ditando o norte da questão toda, as questões tratadas na Lei poderão ser levadas ao Judiciário desde já, por provocação, por exemplo do Ministério Público, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor Idec, dentre outros.
E já que a coisa está aí para produzir efeitos no mundo fenomênico, importante que o leitor saiba que dado pessoal é qualquer dado, isoladamente ou agregado a outro, que possa permitir a identificação de uma pessoa natural, tais como data de nascimento, profissão, dados de GPS, identificadores eletrônicos, nacionalidade, gostos, interesses e hábitos de consumo, entre outros. Dado sensível, por sua vez, é o que versa, por exemplo, sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico.
Tratamento de dados nada mais do que toda operação realizada com esses dados: coletar, produzir, recepcionar, classificar, utilizar, acessar, reproduzir, transmitir, distribuir, processar, arquivar, armazenar, eliminar, modificar, comunicar, transferir, difundir ou extrair.
A Lei autoriza tratar dados pessoais se houver o consentimento pelo titular, ser caso de cumprimento de obrigação legal ou regulatória, ocorrer hipótese em que a administração pública necessite executar políticas públicas, para realizar estudos por órgão de pesquisa, exercitar direitos em processo judicial ou administrativo, proteger a vida ou da incolumidade física do próprio titular ou de um terceiro, tutelar a saúde, em procedimento realizado por profissionais da área da saúde ou por entidades sanitárias, dentre outros.
A Lei vale para todas as empresas, de todos os setores e de todos os portes que tratam dados pessoais, por meio de seus departamentos, ou seja, RH; Regulatório, Logística; Marketing; Análise de Dados; Desenvolvimento de Software e TI. Jurídico; Compliance, apenas para citar alguns exemplos.
Deve haver, no tratamento de dados, necessidade, transparência, propósito legítimo e compatibilidade. Todo cuidado é pouco. Os titulares de dados pessoais têm o direito de confirmar a existência de tratamento, de acessar os seus dados, corrigi-los, eliminá-los, revogar o consentimento antes dado.
A LGPD quer proibir o uso indiscriminado dos dados pessoais informados por meio de cadastros, garantindo, ao titular, ciência adequada sobre como será feito o tratamento de suas informações e para qual finalidade específica serão usadas.
Obter consentimento prévio e expresso, explicando a razão e o objetivo, informando como será armazenado o dado e o nível de segurança do armazenamento passa a ser condição imprescindível para as empresas no tratamento de dados, protegendo a privacidade como valor de conduta, ética empresarial, prevenindo e antecipando eventos que possam comprometer a privacidade do usuário.
QUASE VIROU LEI
Manchete do “Estadão” (19/7) alerta que companhias com passivo ambiental, ou sem uma bem estruturada agenda de sustentabilidade, correm o risco de receber menos aportes de grandes investidores, a exemplo do que ocorre com as envolvidas em corrupção e lavagem de dinheiro. Os fundos estão olhando cada vez mais para as questões ambientais, sociais e de governança corporativa.
O maior deles (da Noruega) decidiu excluir de sua carteira de investimentos a Vale e a Eletrobras, em decorrência do que foi a catástrofe de Brumadinho e problemas em Belo Monte. Países e gestores anunciam que não irão comprar ações de empresas brasileiras. Isso prejudicará o mercado de capitais e projetos de infraestrutura e privatizações.
Nunca foi tão importante o compliance nas empresas, especialmente o ambiental.
Empresas “carimbadas” com algum passivo ambiental passam a imagem de que agrediram significativamente o meio ambiente, cabendo-lhes pagar multas e indenizações, no intuito de que haja recuperação de áreas danificadas.
Os consequentes efeitos econômico-financeiro dessas medidas é que, gerando passivo ambiental, deverão as lesadoras realizar investimentos para compensar igualitariamente os impactos causados à natureza.
Dai vai que a agenda ambiental passa a ser, obrigatoriamente, de acentuada importância para os negócios de toda e qualquer atividade empresarial.
Guardando as devidas proporções e trazendo isso para o nosso microssistema de Rio Claro, há muitos empresários despreocupados com a questão. Talvez ficarão de fora de investimentos privados e projetos governamentais quando mais precisarem. Ou até mesmo não consigam nem sequer vender suas commodites (artigos de baixo valor agregado, como hortifrútis, metais, etc…) para países e empresas que exijam alinhamento com as causas e normativas ambientais.
Aqui em Rio Claro a questão ambiental chama a atenção há muito tempo e vem sendo bem defendida pela Comissão de Meio Ambiente da OAB local.
Dai a importância dos municípios nessa estória toda: poucas esferas do Estado têm tanto impacto direto sobre a vida do cidadão como o Executivo e o Legislativo municipais.
Em passado recente, quando João Luiz Zaine presidiu a Câmara Local, chegou-lhe às mãos um projeto de Lei que alterava pontualmente o chamado Proderc (Programa de Desenvolvimento de Rio Claro pelo qual as empresas que irão se instalar no município ou ampliar suas instalações e atividades podem postular a isenção total ou parcial do IPTU, dentro outras vantagens). O Proderc estimula a ampliação das atividades empresariais de quem aporta recursos e gera empregos.
Pois bem: a alteração legislativa que se propunha à época impunha a obrigação de que a empresa que quisesse fazer uso dos benefícios do Proderc-, deveria comprovar ter instituído uma agenda ambiental de fato, a partir a comprovação da implementação de um programa de compliance ambiental efetivo, apto a evitar danos ou minimizar impactos à natureza ou agressões ao meio ambiente.
Era um projeto de vanguarda, que poderia ser reapreciado (fica a dica!), ainda mais diante da realidade, nua e crua que vem afastando os investidores por conta justamente disso, ou seja, a falta de planejamento no aspecto ambiental, a partir de agendas concretas e coerentes com os princípios mais relevantes de proteção ao meio ambiente.
Intimidade x saúde pública
Perguntam os gestores como proceder quando identificado um colaborador acometido dos sinais da Covid, ou já testado positivo: pode-se divulgar no seu setor ou na empresa a informação? Como equalizar o direito de terceiros saberem quem está com coronavírus (direito à saúde pública e à vida) e o direito à intimidade (sofrer preconceitos e ser estigmatizado em seu núcleo social)?
A Lei 12.527/2011 já regulava o acesso a informações, previsto na Constituição de 88: o tratamento das informações deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais. Informações podem ser divulgadas a terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa: quem as receber será responsabilizado por seu uso indevido.
Já era previsto que o consentimento não será exigido quando as informações forem necessárias à defesa de direitos humanos ou à proteção do interesse público e geral. Isso é anterior à Lei Geral de Proteção de Dados (entrará em vigor em maio/21), que também prevê que, sem consentimento do titular, informações poderão ser transmitidas quando se estiver diante da proteção da vida ou da incolumidade física de terceiro.
A Lei n. 13.979/20 – “Lei do Coronavírus” – impõem o dever de colaboração de todas as pessoas, mediante a comunicação imediata de possíveis contatos com agentes infecciosos do coronavírus. É obrigatório o compartilhamento entre órgãos e entidades da administração pública de dados essenciais à identificação de pessoas infectadas ou com suspeita de infecção, com o fim de evitar a propagação.
A já bem antiga Lei n. 6.259/75 preconiza que a identificação do paciente portador de doença (Coronavírus), fora do âmbito médico sanitário, poderá efetivar-se, em caráter excepcional, em caso de grande risco à comunidade. É necessário que haja: a) grande risco à comunidade; b) fundamentação pela autoridade sanitária; c) conhecimento prévio do paciente.
Trocando em miúdos: o compartilhamento de informação entre demais colaboradores de um setor de uma empresa pode sim dispensar o consentimento do infectado, porque a justificativa, nessa hipótese, passa a ser a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro.
Recomenda-se que o gestor, diante de suspeita de um colaborador contaminado ou já testado, questione-o sobre a possibilidade de divulgação do seu nome no ambiente laboral. Inexistindo concordância, a empresa tomará os cuidados para informar aos demais sobre o acometimento de um integrante da equipe, por meio de conscientização adequada e restrita. O intuito é, a um só tempo, não expor os demais aos riscos e não espalhar a notícia além do limite necessário (não precisa alcançar aqueles que não tiveram contato e para quem a finalidade que justifica o compartilhamento não se estende).
O retiro social é fundamental e o empregador pode determinar o isolamento do funcionário que tiver com suspeita de coronavírus, o que, logicamente, resultará num automático cenário de conhecimento pelos demais com quem convive.
O coronavírus é doença altamente contagiosa, constando da Lista Nacional de Notificação Compulsória do anexo da Portaria n. 204, de 17 de fevereiro de 2016 (item 43), representando potencialmente um dano significativo para os seres humanos.
Assim, num juízo de ponderação de valores de princípios e garantias, prevalece o direito à vida, integridade física e saúde. A comunicação a terceiros dos casos de contaminação contribui para que as pessoas sirvam como fiscais, pois o infectado deverá permanecer em casa ou até mesmo internado, certo que a violação configura crime de infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do CP).
Se o contaminado possui o direito à intimidade/privacidade, há outros que possuem o direito à vida, à integridade física e à saúde. Direitos fundamentais colocados em confronto evocam solução por meio da concordância prática e harmonização.
William Nagib Filho – Advogado
A Música e os Músicos
Levantamento feito por empresa especializada em transformação digital (Revista “Dinheiro” 1174) com 1314 pessoas de 13 a 81 anos do país todo indica que, durante a pandemia, 82,4% da Geração Z (13-20 anos) consumiram conteúdos ligados à música, além de 75,6% dos Milleniais (21-35 anos), 55,4% da Geração x (36-54 anos) e 46,6% dos Boomers (55-81 anos).
Artigo publicado nas redes sociais pelo músico Renato Gonçalves ressalta que, nas varandas, nas lives e em todas as redes sociais, a música dita a resposta natural ao momento necessário de conscientização e união quando se tem que ficar recluso em casa por tantas semanas (não se sabe por quantas mais ainda!)
Shows virtuais são louváveis. Para os grandes e consagrados artistas, detentores de polpudas reservas em caixa, manter-se na mídia pelas bem produzida lives e ajudar em campanhas de arrecadação de toda espécie (por vezes sob o patrocínio de marcas fortes do mercado consumidor) é bem gratificante.
Mas como está hoje o músico que, desesperadamente e sem recursos para sobreviver, também vem produzindo belas lives sem nenhum rendimento ou patrocínio? É esse músico que compõe bandas de apoio de artistas país afora, mais ou menos famosos; é esse músico que faz casamentos e eventos corporativos; que integra orquestras e bandas sinfônicas; que atua em musicais; que agita as baladas, bares, clubes; que ministra aulas e atua em estúdios de gravação, num Brasil cujo povo, a um só tempo, consome tudo que pode em termos de música na web durante a pandemia, mas não tem apreço algum ou consideração pelo profissional músico.
O povo recluso quer de graça a única coisa que esses artistas têm a oferecer: suas vozes e performances diárias.
Pesquisa recente no EUA assegura que apenas 3% dos jovens pretende ir a um show ao vivo nos próximos dois meses e 29% das pessoas consideram comparecer nesse tipo de evento num período superior a seis meses. Concertos eruditos demorarão muito para retornar à ativa. Na Europa algo recomeça, com muitas regras de distanciamento e plateia diminuta.
Vai demorar no Brasil para retornarem (se conseguirem recomeçar) as casas de shows, bares e clubes, concertos em teatros, musicais, casamentos, eventos sociais e corporativos, dentre outros.
O público, que tanto curte lives e música de todos os gêneros, pode sim dar a sua contribuição solidária num momento tão difícil. Como afirmou Renato, “Todos querem consumir música, mas nem todos querem remunerar os músicos. Já passou da hora de encararmos o trabalho do músico para além de altruísmo e, neste momento de crise em que valorizamos a música, repararmos (nos muitos sentidos que o termo traz) a sistêmica desvalorização dos músicos”.
Vão-se as dicas: que tal pagar adiantado a banda do casamento, do “níver”, ou daquele evento que será reagendado? Que tal adquirir antecipadamente ingressos de apresentações futuras? Por que não pagar antecipadamente a aula do professor de música do seu filho ou torná-la virtual? Por que não adquirir horas de estúdio de gravação de jingles por antecipação até que tudo volte ao normal? Por que não contratar artistas e bandas para lives exclusivas direcionadas à família e amigos em datas festivas?
William Nagib Filho, gestor da Orquestra Filarmônica de Rio Claro e da Casa de Cultura Paulo Rodrigues.
Dinheiro e tendências!
Símbolo do pecado, luxúria, prazer e poder para muitos, para outros é apenas uma necessidade à sobrevivência. Azeita ou azeda as relações, não importa se a discussão é no boteco, em casa com a “patroa” ou mesmo nos bancos universitários.
A voz dominante até dias atrás é no sentido de crescer e preservar patrimônio. A pergunta que se faz é quanto é necessário ou suficiente para se viver bem? É possível estabelecer um patamar a partir do qual o dinheiro poderia estar disponível em favor dos outros menos aquinhoados?
É até difícil analisar o tempo presente quando se está inserido nele, mas uma coisa é certa, tudo deve mudar, e muito! O capitalismo precisa se transformar em algo mais fraterno, humano e colaborativo, até porque, diante da pandemia, fácil perceber que o mais importante não é o dinheiro, mas sim a própria vida.
Então vamos lá: pouco antes do anúncio do Corona 19, a Forbes já noticiava um aumento no número de bilionários em progressão geométrica, sendo 200 deles conhecidos só aqui no Brasil. Há, portanto, dinheiro de monte nas redondezas!
Ora, prosperidade não é pecado e pode ajudar a transformar uma sociedade, uma comunidade, ou um micro sistema em algo justo, até porque da riqueza podem surgir coisas positivas em termos de saúde, conhecimento, lazer e cultura.
Nos Estados Unidos é tradição Bill Gates, Warren Buffett e George Soros, só para citar alguns, doarem bilhões sistematicamente para projetos variados. Nelson Willians, em matéria na Forbes Edição 71, acredita que esse modelo solidário contagiará gente graúda de outros países, como aqui no Brasil.
É verdade. Basta leitura da matéria do Valor Econômico de novembro de 2019 para entender como vem sendo a postura de algumas das famílias mais ricas do país no trato de suas polpudas heranças.
A nova geração de milionários se compromete a doar 10% de suas heranças nos cinco anos posteriores ao recebimento, num sistema de redistribuição de riqueza que pode alavancar inúmeros projetos sociais e tecnológicos, ante a carência de recursos dos poderes públicos.
Na forma de uma organização social, a Generation Pledge (algo como compromissos de geração) busca reunir herdeiros de grandes fortunas em torno de um propósito comum, gente que assumirá o compromisso de doar ao menos 10% de sua herança nos cinco anos subsequentes ao recebimento, além de influenciar também as escolhas que esses herdeiros farão para destinar o restante do patrimônio. A ideia é chegar a 300 pessoas comprometidas nos próximos três anos, incomodadas que estão com as gritantes diferenças sociais enquanto guardam patrimônio que muitas vezes nem conseguem mensurar ao certo e/ou dele fazer uso.
Ao largo das próximas duas décadas irá acontecer a maior transferência de riqueza entre as gerações da história da humanidade e é aí que está o grande potencial da Generation Pledge: ao analisar o perfil e idade dos 206 bilionários do Brasil (Silvio Santos e o Luciano da Havan dentre eles) nota-se que a grande maioria já tem idade avançada (2 deles com 92 anos). É necessário fazer o trabalho de conscientização desde agora entre as gerações e não ficar assistindo até que ocorra a sucessão pós-morte.
Enquanto esse projeto caminha, e já que ganhar dinheiro e se tornar rico ficou para 2021 (em 2020 a meta é sobreviver) a retração provocada pela pandemia e provável colapso do sistema de saúde já fez surgir bons exemplos de um novo capitalismo consciente: empresários e grupos (especialmente bancos e construtoras) cientes de suas responsabilidades têm doado milhões de reais para socorrer vários setores impactados pela paralisia nos negócios e ausência de estrutura médico hospitalar para tratar os infectados.
Enfim, não há outro caminho a não ser a concepção de que quando o dinheiro vai na frente, todos os caminhos se abrem na direção de uma sociedade (um pouco) mais justa (W. Shakespeare).
William Nagib Filho – Advogado
VUCA
A pandemia é hoje o maior inimigo da espécie humana. Exacerbou divisões e aumentou todos os medos imagináveis num ambiente de desconhecimento enorme sobre uma nanopartícula.
Os americanos despontam com números assustadores quanto à fatalidade dos crescentes infectados.
E é justamente dos americasos (ou melhor, de seu exército) que veio a expresssão VUCA (em inglês), muito apropriada para dizer da atual pintura, em que o mundo se transforma em velocidade acelerada e com destino incerto, levando a váriadas respostas sobre uma mesma questão.
VUCA descreve volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade nas diversas situações e contextos para o enfrentamento de ambientes extremamente agressivos e desafiadores.
Estamos numa verdadeira MU-VUCA, é o que se pode afirmar sem sombra de dúvidas.
A volatilidade está presente na velocidade com que o Covid 19 impôs mudanças e impactos. Nada é permanente e as tecnologias, tendências e certezas são inconstantes e mutáveis. Quanto à incerteza, ontem – poucos meses atrás – foi de um jeito, hoje já mudou tudo surpreendentemente, trazendo dúvidas, indecisões e imprecisões diante de conhecimentos incompletos. Não dá mais para desenhar cenários futuros com base sólida nos acontecimentos passados. Não dá mais para fazer previsões ante a incerteza que traz de carona a imprevisiblidade e a inevitabilidade. Não podemos controlar nada como pensávamos ser possível. Winston Churchill dizia “quão espesso e desconcertante é o véu do desconhecido”!
Da complexidade do comportamento VUCA vem a dificuldade de adequada compreensão de resultados das interações de incontáveis variáveis sobre situações em concreto. Parece que nada se encaixa!
A ambiguidade informa que existem várias possibilidades de caminhos diferentes. Várias respostas a uma única questão, sem certeza de melhor solução, ante a imcompreensibilidade da própria pandemia, sua origem e como enfrentá-la com precisão.
Diante disso, a constatação é a de que tudo mudará: do cientista, passando pelo banqueiro, empresário, político, religioso, filósofo, até pelo artista, nada será como antes, até porque, como afirmou Peter C. Baker, o coronavírus “é uma dúzia de crises emaranhadas numa só, e todas se desenrolam imediatamente, de modo inescapável”.
Por agora, o único objetivo da política econômica é evitar a ruptura social, diante da frustração acumulada, perda de poder aquisitivo e qualidade de vida (imaginar como ficará quem já estava na miséria meses atrás é contundente demais).
Empresária e psicóloga, Viviane Senna falou à revista “Istoé” dias atrás sobre não mais existir certezas diante da recente surpresa e desorganização da sociedade em todo o mundo. Diz que transformações importantes, que demorariam décadas, deverão ser aceleradas: no lugar do uso da razão, a pandemia impõe colaboração, empatia, confiança, respeito, persistência, disciplina, criatividade e estabilidade emocional. A ideia de que tudo voltará ao normal não vingará de jeito nenhum.
A massa de indivíduos competindo uns contra os outros por riqueza e status sai de cena e surge a igualdade. Segundo Viviane, o vírus ensina que divisão entre rico e pobre, partidos e ideologias, disputas políticas, religiosoas e econômicas importam pouco agora. “É como se o vírus estivesse dizendo que nós somos uma única humanidade. A gente recuperou de novo uma unidade que havia sido perdida, uma unidade que mostra que nós somos um único organismo e quando um membro sofre, todos sofrem”.
Ao leitor (que tiver estômago) recomenda-se “O Poço”. Trata o filme, sem cortes ou melindres, da degradação da humanidade frente aos sistemas que ela mesma criou: a separação entre ricos e pobres, norte e sul, os que querem ascender e os que concordam em descer e dividir, caracterizam a película do início ao fim, tem muito a ver com a necessária mudança anunciada por Senna, a qual virá para ficar, espera-se!
William Nagib Filho
Advogado e Conselheiro da OAB/SP
Explosão de Sociabilidade
Guerras, revoluções e epidemias (ou armas, aço e germes) são três fatores que aceleram a história. Após passar a atual pandemia, a tendência será o que os historiadores chamam de “Explosão de Sociabilidade”.
Leandro Karnal, em entrevista recente à CNN, rodeado de brilhantes mentes femininas, pontuou haver, após recolhimento e morte, uma grande explosão de vida. Após o isolamento, pós-guerra ou depois de epidemias, manifestações de grande alegria pipocam em todos os cantos. Karnal falou do Renascimento depois da peste negra e da moda em Paris ao depois da Revolução Francesa, quando todos, extravagantemente, punham tudo e mais um pouco ao se vestir e sair alegremente às ruas depois do enclausuramento de longa data e incomensuráveis perdas humanas.
Nas cidades como Rio Claro o pós-pandemia levará, mesmo que pouco a pouco, o cidadão a sair da toca: visitará mais, sairá mais, confraternizará mais, enfim, exercerá, à exaustão, suas conquistas civilizatórias e se entrelaçará com quem puder, no trabalho, na escola, na balada, nas praças, no comércio, na floresta, no boteco, no shopping, nos clubes de serviço, nos postos de gasolina e, principalmente, nos clubes recreativos sociais.
Trabalho interessante de Laura Rinaldi e Marcos Ruiz da Silva, por ocasião do XI Simpósio Internacional do Processo Civilizador, intitulado “Os Clubes Sociais e Recreativos e o Processo Civilizatório Brasileiro: Uma relação de Hábitos e Costumes”, define bem que essas entidades são manifestações democráticas de participação popular, resultando da vontade de grupos de interesses, atendendo diferentes segmentos da sociedade, sejam originários de imigrantes, das variadas elites, de classes trabalhadoras, iniciativas públicas ou empreendimentos privados. A estimativa, segundo a Confederação Brasileira de Clubes, é de que mais de 50 milhões de Brasileiros tenham algum vínculo associativo com clubes.
Em Rio Claro acolhem milhares de associados o Clube de Campo, o Floridiana, o Grêmio dos Ferroviários, o Grêmio da Bela Vista e o Ginástico (a “Phila” ainda agoniza!). Os associados são seus proprietários, detentores de joias com direitos e deveres estabelecidos estatutariamente. Elegem dentre seus pares quem melhor pode manter e fazer progredir.
A concentração de significativo número de associados também nos clubes de Rio Claro é consequência natural da preocupação das pessoas com suas integridades físicas, psicológicas e morais. Num exercício de auto segregação, acumulam-se nos vários clubes associados de origens, formações e classes sociais distintas, mas todos numa atmosfera unicamente prazerosa e convergente, principalmente para a recreação e o esporte.
Pois bem: só adere e se torna associado quem tem afinidade, interesse e capacidade contributiva para pagamento da Taxa de Manutenção e Desenvolvimento, ao menos até tornar-se remido (categoria que já não mais prevista na maioria dos estatutos).
Associados de qualquer deles sabe bem o que significa a sociabilidade clubística que os transforma em prolongamento dos lares, onde o agradável congraçamento de gerações justifica a maioria dos clubes já ter atingido (ou estar próximo de completar) 100 anos de existência.
Quando os diretores se descabelam e gritam pela manutenção do pagamento das taxas de manutenção, fazem-no em nome da preservação dessas estruturas que são imprescindíveis ao convívio social saudável e seguro. A pandemia vem sendo o pior teste. Nada visto antes, demandando verdadeiras acrobacias para não cerrar de vez as portas de agremiações protagonistas que foram, são e serão, da história de gerações que nelas cresceram, constituíram famílias, laços afetivos e passaram bom tempo de suas vidas fortalecendo a sociabilidade clubística que bem caracteriza o Povo Rioclarense.
Tudo isso para dizer que neste momento é fundamental que o associado, como e com quanto puder, deve esforçar-se para continuar ativo nos quadros de seu clube preferido. Quem está sem recursos – e muitos assim estão – deve se ajustar de alguma forma com a Diretoria (descontos, repactuação de dívidas, etc.. etc..), lembrando que, quando a explosão de sociabilidade pós-pandemia for deflagrada, é especialmente nos clubes que a alegria voltará. É nos clubes que o povo, ainda com medo, irá reencontrar seus pares, extravasar e, a um só tempo, absorver a energia positiva e necessária para enfrentar novos tempos, inevitáveis diante de tudo que estamos a viver presentemente.
William Nagib Filho, Conselheiro da OAB/SP, é presidente do Grupo Ginástico Rioclarense.
La garantia soi yo
Temendo atrasos no pagamento dos locativos mensais, proprietários preferem confiar seu imóvel a uma imobiliária que garanta o aluguel.
Pois bem: a pandemia do coronavírus se amolda à ideia de fenômeno/evento inevitável que impede a consecução, ao menos na íntegra, de obrigações antes assumidas, ou seja, a garantia dos alugueis em favor do proprietário diante do atraso ou não pagamento pelo inquilino.
O contexto é de calamidade pública, que muda a história da humanidade, fato suficientemente relevante, imprevisível e inevitável, a ponto de caracterizá-lo como caso fortuito e/ou força maior. Existindo atos inevitáveis e determinações restritivas do Poder Público para todos os segmentos negociais, direcionando ações ou não permissivos de ação antes comuns, comprova-se a situação de inevitabilidade a caracterizar o caso fortuito e a força maior. Não há, nesse cenário, culpa de qualquer das partes, porque fenômeno alheio ao controle de ambas.
É possível discutir o pagamento de obrigações contratuais, até porque o devedor – leia-se imobiliária garantidora – que não puder honrar a dívida estará protegido no ambiente previsto no artigo 393 do Código Civil, na medida em que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se não for o responsável e não puder evitar ou impedir.
As imobiliárias, ao assumirem os riscos do inadimplemento em situações de locação garantida, fazem suas previsões de caixa para certo número de não pagadores, algo suportável e de acordo com históricos até de muitos períodos de crise antes já vivenciados, jamais para uma intensidade calamitosa nos moldes que se avizinham por conta da pandemia.
“La garantia soi jo” dizia-se antes; em tempos da Covid 19, isso já era!
Se é possível discutir-se o pagamento do próprio aluguel em relação à sua exigibilidade, total ou parcial, de todos os contratos em curso, de igual forma é plausível debater-se o âmbito e flexibilidade da locação garantida, na outra relação existente entre locador e administradora.
Vê-se por aí falta de pagamento generalizado por parte dos locatários, que levarão às últimas instâncias as discussões sobre pagar ou não e quanto pagar mensalmente durante a pandemia e seu subsequente período recessivo. Já se vê pipocar aos montes decisões judicias suspendendo a cobrança de alugueres, com proibição de despejos, como também autorizando reduções nos locativos por certo tempo, sem nem mesmo assegurar que a diferença será paga ao depois.
Ora, quem garante que a imobiliária, quando voltar-se regressivamente contra o inquilino e fiadores, consiga obter 100% do que fez verter ao locador no âmbito da locação garantida?
Contratos de prestação continuada como assim o é o de administração de locação garantida, quando tangenciados por acontecimentos extraordinários e imprevisíveis posteriores à celebração, causando onerosidade excessiva e enriquecimento desproporcional para a outra parte, asseguram a busca do reequilíbrio nas prestações ou mesmo a resolução do contratado de administração.
São situações atípicas. Cada caso em concreto precisará ser avaliado pontualmente, dentro dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, até porque os contratos envolvem clientes com perfis diversos, locações com características singulares, não só na espécie (residencial ou comercial), mas também no âmbito de garantias, valores, fidelização (tempo de contrato garantia em curso) e, principalmente, no aspecto subjetivo, vale dizer, quem é o locatário em atraso, qual o seu segmento de atuação laboral se pessoa física, qual o seu perfil e mercado produtivo se pessoa jurídica, que tipo de garantia foi firmada no âmbito contratual e quais consequências o locatário já sofreu em seus rendimentos e reservas pela pandemia ou está em vias de sofrê-las.
Deverá haver amplo diálogo com cada qual dos clientes da imobiliária, em franco debate quanto ao reequilíbrio econômico financeiro dos envolvidos, visando solução que se afigure justa para locador e imobiliária.
William Nagib Filho – Advogado e Conselheiro da OAB/SP