No mundo moderno o tempo é moeda cara, porque escasso e irreversível. Perdido no trânsito, na fila, na burocracia, no “fale conosco”, no “reclame aqui”, no “0800”, no “atendimento ao cliente”. Tempo que não volta mais. Extravio de tempo útil que afeta um maior convívio com a família, com os amigos, interfere no investimento nos estudos, no cuidado da mente, do corpo, da alma! Há uma constância de atrasos (a que não demos causa) que nos desviam de nossas atividades produtivas, causando prejuízos de vários espectros.
Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada, são coisas de nosso cotidiano moderno, fazendo parte de uma normalidade não intensa e não duradoura que possa chegar ao ponto de romper o equilíbrio psicológico do ser humano.
Mas, quando o desperdício de tempo útil imposto ao consumidor é decorrente da forma consciente (ou inconsciente) com que um fornecedor de produto ou serviço age, com intensidade e danos que fogem do suportável, do tolerável, ultrapassando padrões de normalidade resultando em efetiva angústia e aflição, o ponto passa a merecer outro ângulo.
A indiferença ou despreocupação propositais, fazendo com que o consumidor desista do seu justo intento, ou o desdém culposo no atendimento, a partir da redução do quadro de frente ou de suporte técnico para diminuir custos empresariais, levam à responsabilidade objetiva do fornecedor, diante da regra risco-proveito, presente no Código de Defesa do Consumidor.
É disso que surge a moderna teoria do desvio produtivo do consumidor, acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive. Ao privar o consumidor de seu precioso tempo, submetendo-o a percalços intermináveis para a solução de problemas oriundos de má prestação de serviços, por exemplo, o STJ condenou um fornecedor ao pagamento de danos morais, pois impediu o consumidor lesado de dedicar-se ao exercício de atividades que melhor lhe interessavam.
Essa teoria aplica-se nas hipóteses em que o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar-se de suas competências – de uma atividade necessária ou por ele preferida- para resolver um problema criado pelo fornecedor.
O descaso do fornecedor para com o consumidor reclamante, quando o cenário extrapola o tolerável, ultrapassa o mero dissabor, supera o leve aborrecimento, suplanta pequenas mágoas e irritações, enfim, fugindo da normalidade, enseja, ao menos em tese, a reparação por danos morais.
Sabe aquela fila no banco de mais de hora e meia; aquela operadora de TV a cabo ou concessionária de gás encanado que te faz ficar horas e horas esperando pelo técnico (porque ou ele irá de manhã, ou à tarde, em até 3 dias….) que, por vezes, não vem e remarcará para sabe-se lá quando? Sabe a ligação de energia que te faz ficar afastado da atividade produtiva, à mercê do fornecedor que não pré-anuncia hora exata que fará a visita? E aquele equipamento eletrônico que não sai da assistência e o problema persiste por meses a fio? E a tentativa frustrada de cancelar uma assinatura de revista contratada por impulso?
A teoria do desvio produtivo vem das lições do doutrinador Marcos Dessaune, que sinaliza para a responsabilidade do fornecedor pelo desperdício injusto e intolerável do tempo útil do consumidor e da consequente vida alterada pelo menosprezo impingido.
Portanto, diante de um mau atendimento ao consumidor, contínuo e ofensivo, ocasionando a perda de tempo proveitoso, tal situação é passível de indenizações, abrindo o caminho para reparações que, até pouco tempo, não recebiam aval das Cortes Brasileiras.
William Nagib Filho, Advogado e Conselheiro da OAB/SP