Perguntam os gestores como proceder quando identificado um colaborador acometido dos sinais da Covid, ou já testado positivo: pode-se divulgar no seu setor ou na empresa a informação? Como equalizar o direito de terceiros saberem quem está com coronavírus (direito à saúde pública e à vida) e o direito à intimidade (sofrer preconceitos e ser estigmatizado em seu núcleo social)?
A Lei 12.527/2011 já regulava o acesso a informações, previsto na Constituição de 88: o tratamento das informações deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais. Informações podem ser divulgadas a terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa: quem as receber será responsabilizado por seu uso indevido.
Já era previsto que o consentimento não será exigido quando as informações forem necessárias à defesa de direitos humanos ou à proteção do interesse público e geral. Isso é anterior à Lei Geral de Proteção de Dados (entrará em vigor em maio/21), que também prevê que, sem consentimento do titular, informações poderão ser transmitidas quando se estiver diante da proteção da vida ou da incolumidade física de terceiro.
A Lei n. 13.979/20 – “Lei do Coronavírus” – impõem o dever de colaboração de todas as pessoas, mediante a comunicação imediata de possíveis contatos com agentes infecciosos do coronavírus. É obrigatório o compartilhamento entre órgãos e entidades da administração pública de dados essenciais à identificação de pessoas infectadas ou com suspeita de infecção, com o fim de evitar a propagação.
A já bem antiga Lei n. 6.259/75 preconiza que a identificação do paciente portador de doença (Coronavírus), fora do âmbito médico sanitário, poderá efetivar-se, em caráter excepcional, em caso de grande risco à comunidade. É necessário que haja: a) grande risco à comunidade; b) fundamentação pela autoridade sanitária; c) conhecimento prévio do paciente.
Trocando em miúdos: o compartilhamento de informação entre demais colaboradores de um setor de uma empresa pode sim dispensar o consentimento do infectado, porque a justificativa, nessa hipótese, passa a ser a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro.
Recomenda-se que o gestor, diante de suspeita de um colaborador contaminado ou já testado, questione-o sobre a possibilidade de divulgação do seu nome no ambiente laboral. Inexistindo concordância, a empresa tomará os cuidados para informar aos demais sobre o acometimento de um integrante da equipe, por meio de conscientização adequada e restrita. O intuito é, a um só tempo, não expor os demais aos riscos e não espalhar a notícia além do limite necessário (não precisa alcançar aqueles que não tiveram contato e para quem a finalidade que justifica o compartilhamento não se estende).
O retiro social é fundamental e o empregador pode determinar o isolamento do funcionário que tiver com suspeita de coronavírus, o que, logicamente, resultará num automático cenário de conhecimento pelos demais com quem convive.
O coronavírus é doença altamente contagiosa, constando da Lista Nacional de Notificação Compulsória do anexo da Portaria n. 204, de 17 de fevereiro de 2016 (item 43), representando potencialmente um dano significativo para os seres humanos.
Assim, num juízo de ponderação de valores de princípios e garantias, prevalece o direito à vida, integridade física e saúde. A comunicação a terceiros dos casos de contaminação contribui para que as pessoas sirvam como fiscais, pois o infectado deverá permanecer em casa ou até mesmo internado, certo que a violação configura crime de infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do CP).
Se o contaminado possui o direito à intimidade/privacidade, há outros que possuem o direito à vida, à integridade física e à saúde. Direitos fundamentais colocados em confronto evocam solução por meio da concordância prática e harmonização.
William Nagib Filho – Advogado