O Direito como conjunto de normas de vida em sociedade que busca a expressão e concretização de um ideal de justiça requer dinamismo, capaz de acompanhar a evolução da sociedade adaptando-se às novas realidades e aproximando-se, portanto, dos fatos sociais.

Muito embora, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225,§1º, VIII, reconheça que os animais são dotados de sensibilidade, impondo a sociedade e ao Estado o dever de respeitar a vida, a liberdade corporal e a integridade física desses seres, além de proibir expressamente as práticas que coloquem em risco a função ecológica, provoque a extinção ou submetam à crueldade qualquer animal, a norma constitucional atribui um mínimo de direito ao animal, ou seja, o de não submeter seres sencientes a tratamentos cruéis, práticas que coloquem em risco a sua função ecológica ou ponham em risco a preservação de sua espécie, comando este assimilado pela Lei federal n. 9.605/98, ao criminalizar a conduta daqueles que abusam, maltratam, ferem ou mutilam animais em seu artigo 32.

Desta maneira, para o direito positivo, em uma relação jurídica, originalmente os animais são objetos, conforme o artigo 82 do Código Civil. Contudo, atualmente a doutrina e jurisprudência tem se posicionado no sentido de que os animais podem ser considerados sujeitos de direito em determinadas circunstâncias.

Isso porque, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 houve evidente mudança de paradigma, trazendo como objetivo maior a valorização da pessoa por meio de princípios que, por finalidade, colocam a pessoa humana no centro das relações.

Assim, tal mudança permitiu o reconhecimento de que família é fato natural baseado no afeto, boa convivência e dignificação, devendo ser entendida como núcleo para o desenvolvimento e realização pessoal, cumprindo, então, a função destinada pela sociedade: “entidade de transmissão da cultura e formação da pessoa humana digna”.  

Nesse sentido, dentre a diversidade de tipos de família que surgiram ao longo do tempo, existem aquelas em que devido ao forte vínculo e afeto daqueles que foram classificados como bens móveis pelo Direito, ou seja, os animais, trazem ao mundo jurídico questões antes sequer levantadas, como por exemplo, “em caso de rompimento do relacionamento com quem deve permanecer o animal de estimação?!

É certo que, as relações afetivas se apresentam como um dos mais importantes sentimentos que o homem dispõe ao longo da vida, estando diretamente ligadas às questões de relação que reproduzem o carinho, cuidado e respeito por alguém e até mesmo uma coisa ou um animal de estimação. Estudos recentes apontam que os animais desfrutam do mesmo sentimento.

Dessa forma, a afetividade revelou-se tão importante, a ponto de gerar um princípio constitucional; nos termos da redação da Constituição Federal de 1988, o afeto se refere a um valor jurídico que está diretamente ligado à dignidade da pessoa humana.

Em sendo assim, a criação de animais mostra-se muito além do lazer, sendo considerada atualmente uma terapia, capaz de mudar o comportamento, inclusive, de pessoas doentes, em virtude da ligação, do carinho e do afeto existente.

Por consequência, vários tem sido os conflitos apreciados pelo Poder Judiciário acerca da problemática levantada sobre a relação entre homem e animal a partir da guarda deste, nos casos em que há o rompimento da relação entre seus titulares.

A partir do julgado proferido, a juíza sentenciante Gisele Silva Jardim da 2ª Vara da Família, do Fórum Regional de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro – RJ, possibilitou a guarda compartilhada de um determinado animal, atendendo ao pedido do ex-marido, que disse ter sido impedido pela ex-esposa de ter qualquer tipo de contato com o seu cão, passando por inúmeros sofrimentos e angústias, tais como o distanciamento e problemas em seu desempenho pessoal e profissional. Afirmou ainda que o animal havia sido adquirido ainda durante o noivado, razão pela qual possuía direito em vê-lo, anexando aos autos, fotos publicadas em rede social antes do casamento, apontando ainda para outro julgado recente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – “Assim, presentes os requisitos legais, defiro a posse alternada provisória do cachorro, da raça Bulldog Francês, nominado Braddock, entre os requerentes, cabendo ao requerente a primeira metade de cada mês e à requerida a segunda metade, autorizando, desde logo, a busca e apreensão, caso não haja entrega voluntária, devendo o requerente acompanhar a medida. Designo Audiência Especial para o dia 11/05/15 às 14:00 hs. Cite-se/intimem-se, sendo certo que o prazo para apresentar defesa começa a fluir da referida audiência, na hipótese de não ser alcançado um acordo (RIO DE JANEIRO, 2015a)”.

Extrai-se do corpo da decisão do juiz Leandro Katscharowski Aguiar, titular da 7ª Vara Cível da comarca de Joinville que declinou a competência da disputa por animal para Vara de Família de Joinville/SC, por entender que o animal de estimação não é objeto: Penso que a questão de fundo versa, necessariamente, sobre a declaração, ainda que incidental, da posse e propriedade do animal, cuja discussão, por sua vez, envolve o direito de família”. “Quem sabe se valendo da concepção, ainda restrita ao campo acadêmico, mas que timidamente começa a aparecer na jurisprudência, que considera os animais, em especial mamíferos e aves, seres sencientes, dotados de certa consciência”. Desta forma, inicia-se a percepção para uma nova classificação para o animal de estimação, vez que não é um simples objeto, é um ser vivo, dotado de consciência com demonstrações nítidas de afeto para com os seus donos.

De igual modo o juiz de Direito Fernando Henrique Pinto, da 2ª vara de Família e Sucessões de Jacareí/SP, concedeu liminar para regulamentar a guarda alternada de um cachorro entre seus donos. A decisão reconhece os animais como sujeitos de direito nas ações referentes às desagregações familiares.

Cristalina a importância da consagração dos vínculos afetivos entre o homem e o animal, bem como o reconhecimento pelo Estado da existência de fato do sentimento envolvido em tais relações, não só no âmbito do direito dos animais como também na existência de direitos impostos ao homem, em respeito à sua dignidade humana, de modo a refletir diretamente no animal, ainda que considerando como um bem semovente, ou seja, objeto, visto a ausência de norma jurídica capaz de regular as situações em que os titulares que romperam o relacionamento, e não chegaram a um acordo sobre a posse do animal sofrem com o distanciamento e os problemas afetivos advindos de tal fato.

Certamente a ausência de dispositivo legal específico à temática, contribui para a existência de uma justiça contraditória, porém, em observação aos julgados existentes, nota-se a predisposição de aplicação por analogia, da guarda alternada dos animais de estimação, como forma de preservação da dignidade humana-afetividade, que reflete diretamente na qualidade de vida do animalzinho.